quarta-feira, 29 de setembro de 2010

"A Ópera do Fracasso"


Uma ladainha visceral sobre o fracasso em seis atos

(Mas antes, um último gole de whisky. Preciso disso. Não tem whisky? Então vai um vinho doce em garrafa de plástico mesmo. Ok, vamos lá...)


Ato I- "E o amor di
sse 'Não'"

(Como sempre, tudo começa com um fim...)

Fracassei, mesmo sem ter literalmente fracassado. Quando um relacionamento chega ao final, não se tem realmente certo ou errado, passivo ou ativo, fracasso ou fracassado. Mas há dor, lágrimas e toda aquele blá-blá-blá que todos conhecem. (Suspiro). Vocês sabem, já cansei de falar sobre o
fim por aqui. Mas com o fracasso é diferente, pois não se trata de um simples dramalhão com fiascos pela rua e demonstrações públicas de recalque, nem mesmo o típico véu de lágrimas. Não mesmo! Nã-nã-ni-na-não.

Mas, por mais que todo o fim seja um funeral de corações, convenhamos, nessa história de relacionamentos, apenas um morre de verdade. Enquanto quem nos dá um pé na bunda e vive sua "nova fase" (haja cretinice nesse mundo...), nós sentamos na graxa e saímos com o peso do fracasso nas costas. Ficamos com um "se" pendurado no pescoço, refletindo nas eternas variáveis e possibilidades do que poderia ter sido diferente. Mas não adianta, isso no mundo dos relacionamento "non ecziste", como diria o
Padre Quevedo. Quando o amor diz "não", não há nada o que se fazer.

Então, se um fim de relacionamento é tomar em nosso oríficio retal favorito, fracassar seria coçar as hemorróidas propriamente ditas. O fracasso é realmente pior, ele é uma desgraça íntima, subconsciente e persistente. Querendo ou não, mesmo exonerados de culpa alguma, somos acometidos a nos sentir devastados sentimentalmente pelo peso do relacionamento póstumo. Saber o motivo, a razão e as circunstâncias do fim, entender o porquê estamos sofrendo daquele jeito não serve nem adianta para porcaria nenhuma. É melhor ir jogar
Detetive, e acusar o Coronel Mostarda com a chave inglesa na sala de estar.

Ato II - "Enterrado vivo pelo amor"


(Por que ainda pulsa algo que não existe mais? Ah, não... ainda existe algo! Ou pior: resiste algo ainda...)

Passam os dias, e mesmo após termos tentando, re-tentado, acreditado, re-acreditado, implorado, rezado para todos os santos, Deus e o Diabo, a situação inglória de derrotados em um relacionamento é o que costuma nos esperar. Acreditamos em uma relação, vivemos por ela, e até mesmo, demos um passo maior que as pernas. Por fim, fomos nocauteados por nossas próprias ilusões. Que sina! Encontramos aí o nosso purgatório particular, e de nada adianta pedir por piedade ou clemência. Nem para o citado Padre Quevedo, muito menos para nós mesmos.

Ah... Se há maldições nessa vida, a sensação de fracasso é a maior delas! Maldição perniciosa mesmo, digna de se ser rogada por uma cigana verruguenta de saia poída e com os cabelos fedendo à fritura na beira de uma estrada. Devo ter feito alguma coisa perversa em outra encarnação, digna de fazer o
Chico Xavier não psicografar o meu caso. Sei lá, roubei um frango de macumba ou fiz mesmo uma heresia das grossas, como ter estuprado uma freira. Maldição. Repito: mal.di.ção! Mas, pensando bem, isso de um jeito ou de outro pode sempre vir a acontecer com quem está no jogo. Pois, amaldiçoados pelo amor, de uma forma ou de outra, todos nós estamos.

O problema, que detesto falar em voz alta, e que é o substrato da sensação de fracasso, resume-se no fato de que normalmente nutrimos sentimentos por uma pessoa que não está nem aí para nós. Poético, clichê e desgraçado, não? Sim, queremos quem não nos quer mais! É uma explicação cretina, porém real para todo o mal desse fracasso que assola nossas mentes e polui nossos corações. Não podemos fazer mais nada em um relacionamento quando as portas da pessoa alheia se fecham para nós. É assustador, mas trata-se de um funeral para um vivo. É ser enterrado vivo pelo o amor. (Paradoxalmente, sofrer por isso nos faz sentir vivos, enquanto o coração frio da outra pessoa a torna morta... Ok, vamos tentar nos enganar mais um pouco...)

Ato III - "Matando a solidão"
(Deve existir algo que eu possa fazer. Ou talvez 'você'...ou 'você'...)
Dizem os especialistas que o ser humano é capaz de se acostumar com quaisquer tipos de dor. Vi isso em um Globo Repórter, sobre o tema "enxaquecas". Inclusive nesse programa, tinha um velhinho que há 40 anos vivia interruptamente com dor de cabeça, mas já estava adaptado ao convívio com ela. O porquê, como ele mesmo definiu: "eu não tenho dor, a dor é que me tem". Sábias palavras.

Logo, acostumar-se com a dor do fracasso é algo a qual podemos nos habituar. Indiferentemente do tempo que aguentamos com o peso sobre os ombros, é natural sairmos da concha de melancolia em que vivemos, nem que seja para dar uma espiada no mundo lá fora. Afinal, como se não bastasse o título de fracasso, a solidão pode vir a cutucar ainda mais nossa perturbada alma. Ninguém é masoquista ou louco o suficiente de passar por esse período sozinho. (Ou não?)

Assim, independente da constante aflição sentimental a qual estamos condenados, em nome do ego ou dos empurrões dos amigos, voltamos ao jogo, mesmo que o placar da última rodada ainda continue correndo. Dane-se o que sentimos! Ainda temos que transformar oxigênio em gás carbônico e desilusões em mais ilusões. Entramos na onda típica de música do
Caetano Veloso, porque se vive numas de "e agora, que faço eu da vida sem você", cujo a solução é "buscar em outros braços seu abraços", etc, etc e tal. (Nossa, por isso que música assim vende!)

Alastrar nosso fracasso, ou mascá-lo silenciosamente, como um chiclete sem gosto na qual insanamente ainda não cuspimos? Dane-se! Talvez funcione tentar dissolvê-lo em novas tentativas de beijar outras bocas! Ou não. Caso não dê certo, ainda teremos garrafas de vodka para beijar nossas bocas. Afinal quem se importa? Quando se trata de um fracasso sentimental, ninguém tem nada a ver com ele, a não ser nós mesmos. E isso é o mais difícil de se admitir. Da mesma forma que ao procurarmos novas pessoas para nos livrarmos de nossa cruz, não estamos "realmente" buscando uma solução. Estamos apenas matando a solidão.


Ato IV - "Arranque as asas de uma borboleta"
(Quem eu estou enganando?)
Ilusões são frágeis. Enganar os outros é algo desprezível, mas tentar nos enganar é algo deplorável. Triste mesmo, como um mendigo esmolando num dia de chuva para fumar uma pedra de crack. Porém, o que são os apaixonados, ou melhor, aqueles que um dia se apaixonaram se não um bando de dependentes químicos, que mendigam por toda aquela sensação inexplicável e insubstituível que é o amor? Você pode se entupir de chocolates, beber litros e mais litros de whisky ou até mesmo cair no desespero de se jogar em diversas relações frugais
que não vai adiantar em muita coisa. Tudo fica na volta de procurar as famigeradas "borboletas no estômago". (Ouvi essa uma vez: "e quem quer matar as borboletas no estômago, se elas fazem cócegas para nos rirmos?" - mandei a criatura tomar em sua cavidade anal e me procurar na esquina do inferno!)

O fracasso, uma vez introjetado em nossas mentes, demora para passar. Ele corrói nossas almas, e não há nada a fazer a não ser lidarmos com ele. A bendita salvação não vai vir tão fácil, nem do Céu nem do Inferno, muito menos daquela criatura que você pega todo o sábado em fim de festa. Só cabe a nós mesmos encontrar a solução para nossos próprios corações machucados, mesmo que ela não exista. Até mesmo porque, muitos que se achavam libertos da maldição do fracasso, do nada, entre o café da manhã e o momento de escovar os dentes, perceberam que nada mudou, e que aquele tempo que era para ser a solução apenas adormeceu a dor de não se ter mais aquela pessoa. Irônico ou não, mas da mesma forma que o tempo pode ser nossa solução ele pode ser o nosso carrasco particular. Afinal, nada impede que ele alimente mais nossas ilusões e o nosso sofrimento.

E como todos sabem, iludir-se é sempre um problema, ainda mais no quesito dos relacionamentos. Pois quem sentiu as tais borboletas no estômago uma vez, vive a desejá-las sempre, até mesmo porque elas serviriam para expulsar as traças que andam roendo nosso coração. Além disso, as ilusões são tão frágeis quanto as asas dessas borboleta, mesmo que essa fragilidade seja dura o suficiente para segurar nosso sofrimento... E aí, quem disse que é fácil encontrar a tal paz de espírito? Ok, na dúvida, arranque as asas dessas
malditas borboletas agora mesmo!

Ato V - "Além da Salvação"


(... fudeu!)


Passará o tempo e as várias cicatrizes do amor serão como tatuagens, encarnadas em nosso ser. A sensação do fracasso poderá ser atenuada, e talvez você pense que tudo isso não passou de uma parte ruim no DVD da sua vida. Os dias passarão, esporadicamente teremos domingos chuvosos para ficarmos com a frase "que merda!" em nossas cabeças. Claro, algumas distrações nos poderão ser concedidas e talvez tenhamos dias em que uma breve lucidez nos será agraciada. Poderemos rir de nossa própria tolice, e todo o sofrimento e fracasso servirá de experiência para não fazermos tudo outra vez (aham...). Ainda assim, talvez um dia o Restart e o Justin Biber possam vir a morrer em um acidente de pedalinho e você irá pensar: "Nossa, ainda há do que se rir nessa vida..."

Mas saiba desde já que você está além da salvação. Sua redenção será uma mera adaptação de sua alma, que também irá modificar-se após um fracasso amoroso. Você sentirá seu coração se tornando mais duro do que pão de uma semana atrás, e sua coragem, será condicionada por um alarme que apitará como um microondas no momento em que você entrar num ambiente instável dos relacionamentos. Paciência, não há remédio ou salvação para essas coisas.
Porque no fundo, nos relacionamentos amorosos, não se trata de descobrirmos "o sentido da vida", mas sim "a sensação da vida".
Eis nossa verdadeira perdição: nossa busca em encontrarmos aquilo, que nem definição deve ter, mas que insistimos em chamar pelo nome da pessoa que nos serve como índice em nossa categoria de decepções amorosas. "Além da salvação", assim é que somos para o amor. Sem mais, nossa ópera parte então para um enfático e sublime final.


Último ato - "Bêbado nas sombras"

(Mais um gole desse tal veneno... Amor? Não, cachaça mesmo!)
Ah, nessas horas, não há muito mais a se dizer. O amor é um desgraçado mesmo, o filho de uma meretriz com gonorreia. Um bastardo cretino! Só ele é capaz de quebrar suas pernas e depois mandar você caminhar. Sim, é bem assim mesmo. (Suspiro.)
E assim a nossa ópera encerra sua ladainha. Afinal, um dia tudo acaba. Relacionamentos, sofrimento, fracassos, amores, a vida... é assim. Tudo vira sombra do que um dia foi. Mesmo que tudo "não termine" literalmente, um dia tudo vira parte do domínio do "já era". E o que ainda pode nos restar é a vodka, que infelizmente, também acaba uma hora ou outra, depois de algumas entonadas. Mas pelo menos nesse caso, você ainda pode comprar uma nova garrafa.