sábado, 31 de julho de 2010

"E se der certo?"

Recentemente fui abordado por uma amiga, leitora do blog, que fitou meus olhos escondidos sob a carapuça amarrotada de papel, e sem hesitar me sentenciou com uma indagação: "E se der certo?". Eu obviamente não esbocei expressão alguma. Como se precisasse. A menina logo seguiu sua argumentação. Disse que gostava das minhas crônicas, achava-as engraçadas, etc e tal, mas que tudo o que ela lia aqui, tratava-se de frustrações, decepções e outras coisas dignas de cortar os pulsos com a faca de serrinha suja de maionese. "Coisas que não deram certo", enfatizava, "nem sempre os relacionamentos são assim".

Expliquei a ela, que sempre foi o objetivo das "Crônicas do Sr. Apêndice" falar das emblemáticas situações desastrosas dos relacionamentos pelo viés do bom humor, sarcasmo ácido e até mesmo por ironias clichês. Uma maneira de rir para não chorar. Ela concordou com cada palavra que disse, atenta como um falcão caçando um rato da pradaria, mas ainda assim repetiu a fatídica pergunta: "E se der certo?"

Por ora deixei no vácuo. Dei de ombros, disfarcei, mudei de assunto e fui buscar uma cerveja. Dois dias depois, estou conversando com um amigo, e para minha surpresa, a mesma inquietação me foi arremessada diante das minhas convicções teóricas. Tentei repetir o discurso. Porém, meu amigo, muito sutil como um rinoceronte sambando em cima de um telhado de zinco, basicamente mandou minhas resoluções, resignações e filosofias acerca das dores de cotovelo mundanas a PQP. Segundo suas concepções, um tanto revoltadas com minha pragmática, que grande sentido existiria no mundo dos relacionamentos se não fosse o objetivo de "dar certo". Ele mesmo, num tom quase drástico, beirando à uma desilusão suicida, disse que já vislumbrava um futuro para ele com apenas uma mulher. Estava cansando dessa história de farra, pegação, troca-troca, putaria e o escambau.

Tudo o que ele queria era a certeza de uma, apenas uma, guria legal, que dividisse uma coberta e uma taça de vinho numa noite fria de sábado, e o tédio amarelado de uma tarde vazia de domingo. Obviamente, me segurei para não mostrar o quão febril suas perspectivas poderiam estar. Sabem como é, todo mundo tem o direito de falar bobagens como se fossem verdades, até porque, enquanto às coisas não viram realidade, até mesmo a lorota da injeção de graça na testa vira a máxima dos pretextos para entramos em qualquer furada. Mas duvido que alguém realmente queira uma injeção na testa, ainda que de graça. Digo o mesmo para a rotina estática e monótona dos relacionamentos. Mas tudo bem, vamos lá de novo: "E se der certo?"

Depois dessas abordagens, fui obrigado a fazer uma reavaliação de conceitos, ir ao fundo do meu consciente. Tal atitude em certas pessoas às vezes é tão escatológica quanto um exame de fezes. Comigo não foi diferente. Ao me defrontarem com o "dar certo", fiquei pensando se as pessoas não estavam me vendo como o nêmesis dos relacionamentos. Por favor, pessoal! Nem tenho ego ou potencial para tanto! Além do mais, acredito mesmo que os relacionamentos possam dar certo, tanto quanto acredito que a Globo não se aproveita dos lucros do Criança Esperança e que a liberação da maconha teria apenas fins medicinais como justificativa.

Assim, reflexivo como um monge tibetano, vaguei dias titubeando sobre a razão do "dar certo". Afinal, por mais desesperado que meu amigo parecesse, e mais convicta que minha amiga se mostrasse, ambos tinham razões suficientes. De nada adiantaria embarcarmos nos tais relacionamentos se não acreditássemos mesmo em um desfecho bem-sucedido para eles. Até mesmo porque, o "dar certo" não é uma questão de resultado, e sim de crença. E de motivação, logicamente.

Em nossas vidas, podemos encontrar inúmeros exemplos daqueles que acharam sua metade da laranja e vivem felizes em seus mundos a dois, e se bobear, na mesma quantidade dos casos infelizes (e por várias vezes, alarmantes) daqueles que sofrem por serem sempre os bagaços cuspidos dos relacionamentos. Mas como somos seres humanos, condicionados a admirar a desgraça dos outros (Datena e Márcia Goldsmith que o digam), normalmente ficamos focados aos infortúnios ocorridos. Assim, alguns calejados pelas desilusões amorosas já encaram certos começos pelo o fim, e começam a eliminar pretendentes apenas por características aparentes e semi-óbvias. (Não duvidem de relacionamentos que não começaram porque a criatura era de um signo do Ar e tinha Mercúrio na Sétima Casa...)

Mas nem sempre as banalidades, casualidades, ou até mesmo os infernos astrais servem para destroçar as possibilidades dos relacionamentos. Muitas vezes eles encontram um modelo de funcionalidade e seguem firmes na luta. Sim,
funcionalidade! (E espero que o termo não choque ninguém!). Por mais que esteja dissertando sobre as probabilidades de uma relação dar certo, não ficarei exaltando arroubos de "finais felizes" ou de "mar de rosas". Tudo na realidade, gira em torno de uma questão das coisas funcionarem, das maneiras como as pessoas e seus jeitos, hábitos e defeitos se encaixam. Na verdade, abusando da filosofia barata de boteco, o "dar certo" tem haver com duas espécies de aceitação: 1) aceitar o outro(a) como ele(a) é; e, 2) aceitar a realidade de vida de ambos. Ou seja, tudo se baseia em entender, ou melhor, perceber como o outro é, e enquadrá-lo dentro da sua realidade vigente. Fazer a coisa funcionar é antigir o o tal "dar certo".

Estou complicando? Calma, calma, o titio Apêndice explica. Pensem comigo; você gosta da pessoa, o suficiente para ter sentimentos de completude e paz de espírito com ela. Tudo indica que ali às coisas podem dar certo. No entanto, como em tudo na vida, há detalhes nas cláusulas da pessoa que você gostaria de rever. Você não suporta aquele jeito pessimista dela encarar a vida. Detesta quando ele(a) se acha na razão sobre tudo. Enerva-se sempre que ele(a) te compara com o(a) ex. Aí vem o momento crucial do pretenso relacionamento seguir rodando suas engrenagens. Querer que tudo dê certo é o suficiente? Quais as medidas a serem tomadas nessas circustâncias? Na verdade, é difícil encontrar um eixo para isso. Mesmo assim, metodologias para encararmos a barra não nos faltam.

Costumamos recorrer ao famoso "colocar na balança", mas isso nem sempre é algo adequado, pois infelizmente, para várias coisas da vida, incluindo o coração, não sabemos pesar nem medir. Podemos dispensar alguém em nome de uma mania compulsiva, e depois sentir o golpe em nosso plano sentimental. Também costumamos engolir sapos, tudo em nome da salvação da relação. Porém, ficar acumulando tudo, como um balde de baixo de uma goteira, é loucura digna de internação em um manicômio daqueles fétidos, cheio de loucos com a cabeça raspada e migalhas de bolacha no canto da boca (você já assistiu o filme "Bicho de Sete Cabeças"?). Ainda resta a insensatez de tentar mudar o outro, atitude normalmente sem sucesso nesses casos. Agir dessa maneira insistente e intransigente é assumir um papel desses loucos do manicômio que acabei de citar.

Mas saber conviver e lidar com os defeitos do outro, abrindo mão ali, arregalando os olhos acolá, contando até 10 de vez em quando... bem, isso significa encarar a realidade em nome de um propósito maior. Ah, você não tem saco nem paciência para isso? Sinto muito, mas então nem tente entrar nessa onda do "dar certo". Relacionamentos são exigentes. Afinal, isso faz parte do adaptar-se e evoluir, tão lembrado pelo titio Charles Darwin. A vida é um credor implacável que faz o SPC parecer coisa de criança. E isso não é nem de perto exclusividade dos relacionamentos. Ainda têm os créditos das relações familiares, dos empregos, compromissos e etc e tal. Frente a tudo isso, intolerâncias e birras são tentadoras, afinal, somos humanos, assustados e mesquinhos com o mundo desde o dia em que saímos das entranhas maternas. Não é por menos, que são poucos que tem vocação para ser uma Madre Teresa de Cacutá.

Por isso, volto a bater na tecla de que o "dar certo" não é um final de novela do Manoel Carlos, na qual todo mundo é feliz e termina rindo e com um bebê no colo. Também pode estar bem longe daquelas cenas de "terceira idade perfeita" ("eles tem 70 anos de casados e ainda são malabaristas na cama..."). Não! O dar certo às vezes pode ser conferido pelo tombamento de um relacionamento de anos, no momento em que uma criatura olha para a outra e diz: "não dá mais". Aí a outra, ao contrário do que se pensa, simplesmente diz: "é... não dá mais mesmo!
Já deu certo o suficiente..." Depois eles ficam amigos e curtem suas vidas tranquilamente. Vejam como assim tudo funciona, como um intestino depois de uma semana tomando Activia. Mas não é por essas que a vida se encaminha?

Você não tem o carro dos sonhos, mas o seu funciona bem para suas necessidades. Ele anda, te leva de cima para baixo, consome pouca gasolina, tem um IPVA aceitável, e ainda serve de motel de vez em quando. Veja o seu emprego! Evidentemente ele poderia ser melhor, você poderia ganhar mais ou ser mais valorizado nele, porém, ele paga suas contas e te faz sentir-se útil em algo. Bingo, mais um exemplo de funcionalidade. Então, não estaria bom um relacionamento simplesmente para cumprir suas funções, e ser o que em essência todos se propõem a ser, ou seja, uma "relação entre duas pessoas"? Par "dar certo" não precisamos pensar necessariamente em uma história de amor de trama complexa e enredo épico, cujo vilão é derrotado no final, ao alto de um penhasco, e o cavaleiro de armadura brilhante salva sua donzela e cavalga em rumo ao sol poente. Por favor! Se quer drama e romance, assista qualquer novela mexicana chinela que o SBT vive a reprisar. É nessas horas que os simplistas por natureza ou o pessoal que frequenta praias de nudismo saem ganhando: "às vezes, menos é mais..."

Ok, mas a essa altura do campeonato vocês devem estar se perguntando: "mas então, o dar certo tem a ver com conformismo, comodismo e essas coisas assim, que rimam com domingos amarelados?". E eu respondo: sim e não. Tudo depende também do quão camarada o destino pode ser contigo. Ter sorte com certeza faz a diferença para um relacionamento dar certo, assim como em tudo na vida. Mas por ora não se preocupem tanto em buscar essas respostas existenciais ou métodos para uma relação vingar. Preocupem-se com coisas mais simples, como a Declaração do Imposto de Renda ou a prova do ENEM.

Saibam nas entrelinhas necessárias, que o que vocês podem fazer para a dar certo emerge de uma batalha diária contra a rotina e contra as adversidades inevitáveis da vida a dois - o que significa que tudo é variável. Você pode se estressar com a maneira que a outra pessoa masca chicletes ou com suas opiniões políticas, tudo sempre vai depender do autoconhecimento profundo e do esforço constante e estóico daqueles envolvidos na relação. E claro, vale o lembrete clichê: "não basta apenas um querer, para que dê certo..."

No final das contas, o "dar certo" pode ser sempre desvalorizado ou desacreditado por muitos, mas ele nunca será renegado por ninguém. Ele sempre será, mesmo que distante, um objetivo a ser atingido. Para o amor, nada é mais heróico (e insano, claro!) do que pessoas vivendo à procura do outro(a) com o poder de fazer tudo dar certo, e assim, encontrar o sentido da tão almejada felicidade. E por mais absurdo que isso pareça ser, o mundo está cheio de seres que fazem isso todos os dias, e continuam a persistirem inúmeras vezes em busca de sua tampa da panela.

Então, o tal "e se der certo?" não pressupõe respostas. Seja da maneira que for, pelo destino, insistência ou resistência, os relacionamentos acham suas entradas e saídas por si mesmos. Um brinde ao "dar certo", que dá esperanças aos desiludidos do amor, forças aos rejeitados, inspiração aos apaixonados e até mesmo curiosidade aos solteiros convictos. Pois, a despeito de tudo o que digam, há mesmo uma beleza monocromática em um casal desfilando de mãos dadas pelas ruas, crentes que tudo dali para frente pode dar certo para sempre. (Estou me segurando para não rir desse final açucarado, mas juro que não debochei...)