segunda-feira, 10 de março de 2014

Desapegos Desastrosos


Esses dias, resolvi obedecer a um antigo psicanalista e cumprir a tal “Lei do Desapego”. Acho que só não fiz isso antes de raiva. Do psicanalista, claro, pois o cretino me cobrou uma fortuna por conselhos que qualquer um desses programinhas que passa de tarde nas TVs Records da vida, ou cantor sertanejo me diriam de graça. Ok, passando o momento de negação, vamos então aos “desapegos”.

Partindo do princípio que a necessidade do desapego advém de uma prática - provavelmente chupada do Feng Shui ou qualquer outra coisa que os orientais apregoam – que condiz que devemos reciclar nossas energias através da eliminação de objetos materiais que não usamos e estão estagnando um possível progresso em nossas vidas, achei válida a tentativa. Dizem os conhecedores, que ao acumularmos tantas coisas inúteis, ficamos amarrados energeticamente a elas, dependentes de sentimentos passados que não nos fazem mais bem. Ou seja, guardar aquele papel de bala que o fulaninho te deu, só porque “foi a primeira bala que fulaninho te deu”, além de denotar que você tem algum instinto de rato ou guaxinim, significa que você não quer largar a energia que te ligava ao fulaninho, sendo que nem ele ou a marca da bala existem mais em sua vida.

Eu realmente não tenho moral para falar dos ratos ou guaxinins, animais que naturalmente acumulam tudo quanto é porcaria em seus ninhos. Sou um “apegado” profissional. Guardo tantas tralhas em minha vida e aposentos que fariam um bazar turco passar vergonha. Todos registros materiais de minhas decepções amorosas e frustrações estão  por aí, espalhados por gavetas e caixas de fundo de armário. Sou uma tragédia pessoal numa montanha de quinquilharias.

Disposto a dar um fim nisso, liguei para a Leidydai. Leidydai é uma moça que trabalha como diarista e faxineira, e de vez em quando me salva da situação do meu apartamento, de tão sujo e desorganizado, se tornar um organismo vivo simbiótico e me devorar. Como acabou o carnaval, imaginei que a Leidydai – que segundo ela, recebeu esse nome da mãe em homenagem àquela princesa de Mônaco (!) – estivesse precisando de uma grana extra para pagar suas eternas dívidas em paetês e fantasias que ela contrai todo fevereiro. Ah sim, Leidydai é passista de pelo menos trinta Escolas de Samba que existem por aí, e diz que só fará faxinas até virar a próxima Globeleza ou rainha da bateria do Salgueiro ou da Mangueira - sei lá, uma dessas.

A missão da Leidydai dessa vez era mesmo digna de enredo de Escola de Samba: me ajudar a dar fim nas minhas quinquilharias passadas, dignas de centenas de histórias que não deveriam fazer mais sentido na minha vida.  E a cada gaveta aberta, a cada caixa revelada, a cada armário desbravado, lembranças voavam agitadas pelo meu apartamento como morcegos desnorteados. Mas na realidade, confrontar seu passado e estar disposto a jogá-lo fora, te dá uma sensação única de poder. Talvez a história não ganhe uma nova ordem ou um final melhor, mas certamente, você enfim sente-se livre. Livre de mágoas tolas e arrependimentos desnecessários. Livre de algo que já se foi. Livre até mesmo de um pedaço de você mesmo.

De bilhetes, cartas e fotos, até detalhes mais prosaicos de uma relação, como tickets de cinema e os absurdos papéis de bala, tudo estava lá, lembrando-me de pessoas, dias e horas com essas pessoas, alegrias e tristezas com essas pessoas. Anos e anos em vão, entupindo minhas gavetas. E eu, ironicamente, reclamava de espaço para guardar minhas cuecas e meias.

- O que o senhor vai fazer como esses aqui? – perguntou-me Leidydai, assim que encontrou um saco plástico cheio de ursos de pelúcia, após tossir poeira e ácaros. 

Ursinhos de pelúcia! Cacete, existem mulheres que presenteiam seus namorados com ursinhos de pelúcia! Ok, sem discussões de gênero aqui, mas não existe maneira mais bizarra de infantilizar o homem da relação do que dar-lhe um urso, coelho, tatu-bola, lagarto, ornitorrinco, e sei lá que outra espécie da fauna, de pelúcia. Quem sabe uma mamadeira e uma chupeta da próxima vez? Eu tive uma namorada que, se o IBAMA controlasse animais de brinquedo, ela estaria presa há séculos. Realmente, é impossível um relacionamento ir à diante, pressupondo que esses exigem maturidade, enquanto o casal ficar trocando criaturinhas fofas de pelúcia! Qual seria a ideia por trás disso? Arrastar a infância para dentro da alcova do casal? Não, não, perturbador.

- Leidydai, jogue esse zoológico de pelúcia fora – ordenei.

- Sr. Apêndice, posso ficar com eles e dar aos meus filhos? – questionou-me a faxineira.

- Você têm filhos, Leidydai?

- Ainda não, mas um dia eu vou ter. – respondeu-me Leidydai, convicta de uma lógica um tanto própria.

Dei de ombros e assenti que sim, desde que aqueles bichos ficassem longe de mim.

A sessão de cartas e bilhetes foi outra decadência existencial que sucumbiu sobre mim. É que eu sou de uma geração pré-Facebook, Whatsapp e sei lá mais quais apps que estão na moda. Eu era de uma época em que as pessoas utilizavam papel e caneta para registrar a escrita. Os namoros eram assim também, sentimentos verbais eram marcados com traços de esferográficas sobre calhamaços de celulose.

Quando eu era criança, ganhar um bilhetinho da colega de aula dizendo que “você era bonito" e que "ela gostava de você”, valia tanto quanto uma medalha de guerra. Ainda mais porque eu nunca ganhei um desses. Mas acho que por casos como esses, se perpetuou um ritual nos relacionamentos de enviar palavras escritas, pois talvez a validade material tivesse mil vezes mais poder que a validade sentimental, etérea e intangível. Você não pode segurar um “eu te amo”, mas pode ir ao bilhete de folha de caderno arrancada que diz o mesmo, quantas vezes você quiser.  O problema, que ao final inevitável das relações, fica toda uma Biblioteca de Alexandria perdida na sua vida, esperando um arqueólogo corajoso a desbravá-la. Chega a ser é cômico: quantas vezes você não abre “aquela” caixa, cheia de lembranças de um relacionamento passado, só porque tem medo do que possa sentir? Muitos até colocam um aviso de “não abra” sobre a caixa, evitando o confronto com aquela Pandora sentimental. Por isso, ponto para a teoria do desapego: jogue tudo fora, queime e não se incomode mais com o monstro de dentro do armário, ou de baixo da cama, ou sei lá mais onde você guarda essas relíquias do relacionamento morto.

Com as fotos o caminho foi quase o mesmo. Repito o discurso de matusalém, mas eu sou de uma época ancestral ao Instagram, de uma era em que as pessoas tiravam fotos, levavam seus rolinhos de 12 a 36 poses para revelar, e depois as resgatavam, impressas em papel filme. E como momentos cristalizados, congeladas em um tempo-espaço em que parecemos felizes para sempre, lá elas estavam, fotos e mais fotos de namoradas antigas que agora moravam escondidas em minhas gavetas. Em era do .jpg, as milhares de fotos que tiramos ficam vagando em redes sociais ou perdidas em alguma pasta do HD de um computador. O acesso não é mais o mesmo. As provocações do destino não são mais tão ferozes. E além do mais, o botão delete está ali, sempre de prontidão. E se ele ainda não for eficaz, nada como um bom vírus para destruir sua Placa Mãe e enviar seu PC para o lixo, junto com as memórias digitalizadas.

O engraçado é que eu pensei que rever as fotos antigas seria algo mais doloroso. Na verdade, ao me rever em minhas fotos do passado, acabei mudando minha ótica sobre quem eu era naquela época. Ao ver minha cara de moleque ridículo há mais de uma década, tive que assumir: “agora eu sei porque ela me chifrou”. Ter um olhar despido de paixão ou raiva me deu a lucidez de que essas antigas namoradas nunca foram tudo isso que eu imaginava até os dias de hoje – até mesmo porque muitas já estão gordas ou velhas. Ah, o tempo - ele pode ser bem reconfortante, ainda mais quando ele passa. De posse a inúmeras fotografias, a ordem foi apenas uma a Leidydai:

- Queime-as.

Leidydai sorriu para mim com uma cara de cumplicidade e disse:

- Ahhhh, eu sabia que o senhor ia na mesma Mãe-de-Santo que eu...

O desapego seguiu, num gosto acre-doce de despedidas. Foram alguns CDs, alguns livros, roupas, lembranças tolas e os mais variados eteceteras. No final da jornada, para minha surpresa, tanta tralha não se resumia em um mundo sentimental que eu achei que havia construído. Acho que é porque, no processo de confrontação com o passado, eu percebi o quanto tais energias eram realmente desnecessárias. Ficou claro, que as lembranças não digeridas pela alma ganham proporções maiores do que elas realmente são. Livrei-me mais do que quinquilharias – fui liberto de amarras existenciais insensatas e, até mesmo, ridículas. Eu não precisava de coragem para mexer naquelas velhas caixas e gavetas - precisava mesmo era de vergonha na cara.

Fiquei um tempo olhando para o novo nada que se apoderou das minhas gavetas e armários, pensando por um breve momento se minhas ex-namoradas tinham se livrado de tudo que dei a elas, mas fui – graças aos céus – interrompido de meu estado introspectivo por uma exclamação de Leidydai:

- Sr. Apêndice, encontrei uma caixa aqui com umas pedrinhas brilhantes!

Pedrinhas brilhantes? Será que Leidydai achou improváveis pedras preciosas de um parente pirata que eu nunca tive? Fui conferir, e então, meu coração encheu-se de nostalgia quase me levando as lágrimas: eram meus Geloucos da Coca-Cola! Deus do céu! Quantos litros de refrigerante eu tomei para completar a coleção? Não sei como não morri de tanto sódio e açúcar! Há anos estavam esquecidos no fundo de meu armário, e o pior, do limiar da minha memória. Fiquei num transe infantil, até ser novamente interrompido por Leidydai:

- Sr. Apêndice, e aí, jogo eles fora junto com o resto de coisas do desapego?

- Não, Leidydai, guarde meus Geloucos de volta!


Afinal, tudo tem um limite. Até os desapegos. 


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