domingo, 21 de outubro de 2012

Volta por baixo

Sr. Apêndice é encontrado mendigando pelas ruas. Mistério do desaparecimento do cruzado dos relacionamentos amorosos finalmente chega a uma dramática resolução. Desiludido, ele confessa: “já mendiguei amor, hoje me contento com meio x-salada”.  Confira tudo nesta impressionante reportagem.

O ano era 2010 e um curioso blog surgia na blogosfera. Intitulado “Crônicas do Sr. Apêndice”, o blog escrito pelo homônimo e misterioso Sr. Apêndice era um destilado ácido e agridoce das eternas indagações sobre os relacionamentos amorosos. Descrito pelo próprio autor como um lugar de “encheções de sacos amorosas”, o blog não poupava ninguém com tiradas críticas e bem humoradas das (des)ilusões amorosas, que iam desde abordagens cotidianas até questionamentos existenciais.

No entanto, desde 12 de junho de 2011 - data da última crônica postada - o blog encontra-se abandonado, sem nenhuma manifestação de seu autor, fato que suscitou a curiosidade e aflição de seus leitores. Muito se especulou sobre o sumiço do Sr. Apêndice; uns afirmavam que ele finalmente cansou da sua eterna e infecunda cruzada contra os relacionamentos amorosos, engordou e estava apostando todos os meses na Tele Sena; outros juravam que ele finalmente se apaixonou e alterou todas suas perspectivas sobre o assunto; e ainda havia alguns teóricos da conspiração que asseveravam que o ensacado personagem era uma fraude do sistema, usado por uma fábrica de chocolates à beira da falência a fim de vender bombons aos deprimidos leitores.

Porém nada disso era verdade. Após uma decepção amorosa “das brabas”, conforme suas palavras, o Sr. Apêndice literalmente surtou. Após tentar se internar várias vezes em uma clínica de reabilitação para drogados, com o intuito de se livrar do pior narcótico do mundo, a paixão não correspondida, ele foi jogado a própria sorte e saiu a vagar sem rumo pelo mundo. Durante mais de um ano, ele tem vivido em sarjetas, construções abandonadas e calçadas, entregue à piedade alheia para poder sobreviver. “Quando fui tentar me internar não fui aceito, porque, segundo os psiquiatras, paixão não era uma droga”, revela o Sr. Apêndice, um ano depois do seu desparecimento do blog. “Me disseram que meu problema era falta de ocupação, que um coração vazio se curava com uma enxada nas mãos”.

Visivelmente mais magro, sujo e abalado, o Sr. Apêndice foi encontrado esta manhã em um terreno baldio, trajando trapos, enrolado em um cobertor velho e deitado sobre pedaços de papelão. Entre seus pertences, uma garrafa vazia de vodka barata e uma cópia amarrotada de “Mulheres”, do autor americano Charles Bukowski. “O quê? Pensaram que eu lia sonetos de amor do Shakespeare?” – bradou a criatura encapuzada ao ser questionado sobre sua leitura. “Limpei meu rabo com Romeu e Julieta esses tempos” – debochou desconcertado.

Sobre sua situação atual de miséria, consequência da sua fuga do blog e do mundo, o Sr. Apêndice foi impreciso: “sabe como são às coisas; às vezes você tem um tesão pré-adolescente pelos seus feitos, outras tudo parece uma bobagem. Foi assim comigo, uma hora eu percebi que o mundo e os relacionamentos não eram tudo aquilo, que eles não iriam mudar e que tanta “encheção de saco” só servia para encher o saco mesmo! Além do mais, eu precisava arejar as ideias. Saí para comprar cigarros no boteco da condição humana e nunca mais voltei. Até porque eu não fumo mesmo.”

Segundo o Sr. Apêndice, o vácuo teve seu aspecto positivo em suas reflexões. Nessa temporada, isolado e sem-teto, ele se permitiu a reconsiderar alguns pontos de vista. “Não quer dizer que os culpados sejam os próprios relacionamentos amorosos. Eles sempre vão ser complexos e confusos, seguindo aquela eterna mística de contradições e expectativas. O que ferra mesmo é a realidade, essa representada pelas pessoas que expõem seus sentimentos umas às outras. No final das contas, talvez culpar a existência e a sorte seja o mesmo que mijar em incêndio – o complicado são as pessoas mesmo” – e indaga, “e aí, o que se faz quando tudo no mundo dos relacionamentos gira em torno de pessoas? Se apaixona por uma árvore? Convida uma poltrona para ir janta à luz de velas?” Por fim, enfatiza:“A não ser que você seja um pansexualista ou monge tibetano, você está preso no jogo. E esse jogo é muito tenso, sobrecarregado de pressões que deixa vestibular de medicina na USP igual a teste de pré-escola, e final de Brasileirão igual a futebol de fim de semana de campinho de várzea. É um mundo de histórias, dramas, desesperos, perdas, músicas pops de dor de cotovelo e filmes com a Kate Hudson que fazem da humanidade uma colcha de retalhos que só serve para te sufocar ao invés de te cobrir. É como me disse um outro mendigo esses dias, ‘tira o ser humano da Terra e tu vais ver a beleza de mundo que fica’”.

O Sr. Apêndice se negou a dar detalhes da sua última e fatídica decepção amorosa, virtualmente a causa pelo estado deplorável que se encontra. Em uma tosse carregada, ele apenas balbuciou a seguinte sentença: “vou começar a evitar certos signos”. Quanto ao futuro, ele ainda diz que é complicada uma nova perspectiva de vida, apesar de se assumir mais racional e distante de tais incômodos, mas dá um recado aos leitores, bem-humorado como é de seu estilo: “agora que me acharam, vou ter que voltar de um jeito ou de outro; até porque não aguento mais jogar canastra com esses ratos aqui no banhado. Além disso, os FDP já estão de olho na minha casa de caixa de papelão de geladeira Consul há um bom tempo”. Em sua nova fase no blog, além dos conhecidos debates sobre os relacionamentos amorosos, também haverá espaço para críticas ao cotidiano e escarradas ácidas na condição humana, às vezes em forma das tradicionais crônicas, outras por meios de contos, ensaios e até, quem sabe, por meio de alternativas multimídias, como vídeos e podcasts. O blog também contará com uma página no Facebook. Porém, mesmo com as novidades, o Sr. Apêndice sentencia: "mas não se animem muito. No final das contas acho que vai dar a mesma merda de sempre".

Questionado sobre algum desejo imediato, o Sr. Apêndice foi sintético: “quem vive sem um apêndice sabe viver sem qualquer coisa vital, mas se vocês puderem me dar uns 10 pila para eu comer um xis ali no trailer da esquina, eu agradeceria. Já mendiguei muito amor nesta vida, mas hoje em dia me contento com meio x-salada”.
  
 
Fotos: Isabella Maciel Heemann




 

Um comentário:

  1. Parabééns pela volta! E agora sem mais sumiços! XD
    Sinto muito pelas decepções que te levaram a sumir, mas o que seria de nós sem os conselhos do Sr. Apêndice pra nos guiar nessa tortuosa vida de relacionamentos?! Não da, né?! HDIUSAHIUDHAS
    Bem vindo de volta! *-*

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