segunda-feira, 4 de março de 2013

Tudo de novo


Acabou mais um ano. Começou outro. Tudo de novo. 



 - Ei, mas como assim? É março! Já faz dois meses que o ano começou?!!! Está atrasado – para variar – Sr. Apêndice!

Não. O ano DE VERDADE começa agora. É agora que as doces ilusões que nos foram concedidas enquanto estávamos exilados da rotina – mesmo dentro da rotina, diga-se de passagem – acabam. Falando em um lenga-lenga menos filosófico: acabaram as férias, foi-se o verão. Chegaram as cretinas águas de março (perdoe-me, Tom Jobim).

Repetindo: acabou. Vamos ao tudo de novo. Seja bem-vindo - com um sorriso amarelo e cheio de hipocrisia – março; apresente-nos seu amigo ano novo, já que seus irmãos janeiro e fevereiro falharam em tal introdução. Seja bem-vinda realidade – acordar cedo, trabalhar, estudar, fazer tudo em um processo mecânico e repetitivo até dezembro, o mês super-herói que vem para nos resgatar do cotidiano sufocante.
(Aliás, gostaria de manifestar aqui minha antipatia ao mês de março. Eu odeio março! Detesto março tanto quanto detesto domingos. E se pararmos para pensar, se um ano fosse uma semana, março seria o domingo.)

Mas acho que o “tudo de novo” que me angustia no momento não é a rotina artificial que tentamos sem sucesso evitar ou adiar - já que o mundo amanhece e anoitece desde os primórdios da existência. Minha estreiteza na realidade é uma alegoria para tudo que a vida – em especial, ao que tange os sentimentos – nos reserva. Querendo ou não, todo recomeço nos evoca novas esperanças.

Caso não tenham entendido, falo daqueles montes e montes de promessas e coisas que precisam acontecer no ano que começa para haver sentido em um novo começo. Amores.  Esperanças. Felicidades. Inícios. Fins. Sentimentos. Sentidos.  Senão, para que todo aquele porre de champagne na madrugada do dia 1º de janeiro? Mais uma ressaca gratuita? (E enfatizo mais uma vez: o reveillon deveria ser em março!)

Agora nada mais que rime com "fim" faz sentido. O mantra agora é “começo”, “início”, “recomeço”, “vida nova”, “volta às aulas”, “volta à rotina”. Ora, nem o mundo que ia acabar, – conforme nos encheram o saco durante 2012 inteiro – acabou. O tal e prometido fim do mundo não veio, o que não é algo que se constitui propriamente em um problema, pois daqui a pouco a Discovery Chanel já vai arranjar uma maneira de acabar com ele de novo (terremotos, invasões alienígenas, profecias Maias, apocalipse zumbi, Gustavo Lima e você – qual vai ser a próxima bomba fica a critério do próximo Globo Repórter).  Então apocalípticos de plantão, relaxem. Daqui a pouco alguém descobre mais uma profecia escondida do Nostradamus e o mundo já acaba de novo.

O carnaval, nossos festejos da carne, época de expurgar nossos demônios anuais com porres e putaria mal chegou e já se foi. Aqueles dias infernais (nos dois sentidos!) de batucada, axé, marchinhas e samba nos ludibriaram como sempre, nos fazendo quase acreditar que não haveria realidade após a quarta-feira de cinzas. Agora só nos resta esperar o próximo feriado para nos recuperarmos ainda do estrago que o carnaval nos fez (nossos fígados, neurônios, corações e finanças que o digam).

De qualquer forma, o binômio começo/fim nos visita mais uma vez, com o intuito de nos assombrar e esperançar que no final do túnel há sempre a esperançosa luz para nos acenar que “calma, tudo há de dar certo ainda, mesmo que nunca tenha dado”. É como se fosse um tapinha nas costas do destino, nos dizendo “vamos lá, você ainda tem mais uma chance”. E assim rolamos os dados nas inevitabilidades do caos, nos agarramos nas crinas da sina em mais uma galopada da vida. Com o cronômetro zerado, percebemos que mais um ano vindouro - na realidade,  apenas mais um dia que vem – é mais uma aposta desesperada na loteria da felicidade eterna. Nesse ponto, a esperança, mais recauchutada que pneu de beira de estrada, se torna uma instituição, uma crença necessária para que o mundo não vire o apocalipse ou fim do mundo que mencionávamos antes.

Precisamos acreditar. Dependemos disso. Se não são começos, pelo amor de Deus, que sejam recomeços! O fim, de tudo - mundo, corações e ilusões - vai ser sempre aquela sombra a nos perseguir. Faz parte da nossa condição cíclica, da vida dando lugar a morte, para que dê lugar a vida de novo. Vem amores, vão paixões. Vem decepções, vão ilusões. Vem tentações, vão traições. Vem vida, vai vida. É assim.   Fôlego, vamos lá. Até mesmo porque o tal sentido que procuramos nos sites esotéricos é esse. Então todos aqueles sorrisos bobos, lágrimas ardidas, taquicardias de ânsia e raiva e as tais mariposas no estômago - ou seriam borboletas? – e a velha ressaca de viver intensamente, ainda vai ter que valer a pena. Façamos isso. Caso contrário, vamos escrever uma letra de pagode, porque assunto e inspiração não nos falta (te cuida, Raça Negra!).

Ok, mas sejamos sinceros: haja saco. Sim... saco são esses recomeços que terminam sempre! E na boa, às vezes a culpa nem é nossa por crermos nas possibilidades vindouras. Faz parte de nossa essência acreditar e valorizar tudo que é novo. Sejamos francos: se usamos uma roupa nova para uma ocasião especial, não seria diferente em usarmos esperanças novas para um novo começo de ano. Tampouco, não é nada estranho acreditarmos que uma nova paixão é uma nova chance que a vida nos dá para sermos felizes nesse quesito.

Expectativas e ilusões são entorpecentes difíceis de se dizer “não”. Acreditamos e renovamos nossas esperanças tantas vezes com uma fé tão própria de nossa condição humana, tão desprovida de quaisquer coisas negativas, que na boa, dá vontade de mandar a vida tomar no rabo por não nos dar uma aliviada! Confiamos no mesmo passo em que somos desiludidos, tanto que acho que a vida deveria nos pedir perdão de vez em quando, só para inverter a ordem das coisas.

Por isso aceitaremos a rotina de novo. Por isso vamos sorrir e suspirar para o cotidiano que vai nos arrastar impiedosamente durante todo o ano que acabou de começar, mas que por ora ainda está rançoso como uma grande segunda-feira. Paciência. Daqui a pouco já estaremos tão robotizados dentro dele, que mal perceberemos que ele tinha começado algumas horas atrás. E por que definitivamente não viramos as máquinas, numa perspectiva Matrix de ser? Porque teremos toda aquela jornada sentimental, de ilusões e desilusões, risos e choros, inícios e fins para nos distrairmos entre um domingo e outro. É isso que nos torna humanos, que nos faz acordar toda segunda-feira de manhã às 6 horas em ponto, esteja ele nublado ou não. Nós não podemos parar, para que a vida também não pare.

Então, seguindo e quebrando o praxe dos reveillons: feliz ano novo. Feliz março. Feliz segunda-feira. Que tudo se realize. Um brinde, sobretudo à vida, que não para – graças a Deus, pois daqui a pouco é dezembro de novo... 


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